Direito de arena
Publicado em: Revista Eletrônica do IBPI, v. 1, p. 116-133, 2014.
Juliano Heinen[1]
RESUMO
O presente estudo aborda os elementos dogmáticos do direito de arena, como corolário do direito à imagem. Sobre eles gravita uma seqüência de relações, especialmente de natureza econômica, as quais tributam essencial importância ao estudo do tema. Ele vai pautado a partir de um referencial legislativo, doutrinário e jurisprudencial.
PALAVRA-CHAVE
Direito de arena; direito à imagem; direito de personalidade.
ABSTRACT
The present study talk about the dogmatic elements of arena’s right, as a corollary of the right to the image. About them hovers a string of relationships, especially of an economic nature, which taxed essential importance to the study of the subject. He will guided from a legislative, doctrinal and jurisprudential framework.
KEYWORDS
Arena’s right; right to the image; right personality.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS; 1 DIREITO DE ARENA; 2 ANÁLISE DE CASOS; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Juridicamente, as dimensões do humano podem ser estabelecidas no catálogo de direitos da personalidade[2]. Este catálogo delimita, a um só tempo, o âmbito de proteção destas dimensões, ao passo que tributa uma lista de prestações, posições jurídicas, imunidades, etc. Valores humanos como a honra, a religião, a liberdade de pensamento, etc. estabeleceram, ao longo do tempo, um determinado grau de prestígio jurídico, ou melhor, uma maior ou uma menor proteção do próprio ser humano.
Dentre os direitos de personalidade, será destacado, neste ínterim, o direito à imagem. Com o aprimoramento cada vez maior dos meios de comunicação, o direito à imagem teve redimensionada sua valoração jurídica. E, nesse ponto, inúmeras vertentes da imagem podem ser extraídas. Na pós-modernidade, parece que o homem rompeu com todos os limites possíveis que se possa criar ou imaginar no que tange ao uso (e porque não dizer, desuso) da imagem das pessoas. A marca disto pode ser percebida diante do prestígio que a imagem de certos sujeitos desfruta perante os outros sujeitos, fato nunca antes visto, sendo conferidos a ela os mais variados fins.
Observa-se que a utilização econômica da imagem de uma pessoa pode ser desenvolvida de várias formas: naquela lacônica fotografia estampada em uma embalagem ou em um cartaz publicitário, ou mesmo na opinião que o sujeito famoso oferta sobre um produto ou sobre um serviço, direcionando sua fama (imagem, por que não?) na captação da confiança do consumidor[3]. A imagem-atributo de uma pessoa famosa funciona quase como uma “garantia” de qualidade e de eficiência ao produto, como se o famoso transportasse toda a gama de predicados que possui para o bem que divulga. Sobre estas relações, portanto, gravita expressivo mote econômico.
Para além de uma simples “compra e venda da imagem”, como demonstrado, causa relevância jurídica, nos últimos tempos, a proteção à imagem captada e distribuída diante da execução de um espetáculo. A imagem de um atleta ou de um artista, quando se apresenta ao público presente[4], pode ser explorada economicamente por aquele que a capta e a divulga por uma mídia de massa. Facilmente se percebem dois vínculos: a) a imagem negociada com o público presente que compra o direito de assistir ao espetáculo ao vivo, e b) o vínculo estabelecido entre a empresa que transmite a atuação do atleta ou do artista a um sem-número de pessoas, por uma mídia de massa (p. ex., pela televisão, pelo rádio) e o próprio atleta/artista. Surge, neste contexto, o direito de arena (right of enclosure), cujas delimitações teóricas serão apresentadas a seguir.
Não raro, pessoas com alta fama, como artistas e desportistas, adentram no meio publicitário, sendo promotores de campanhas publicitárias. Enfim, servem como uma poderosa ferramenta de marketing, bastando que sua imagem seja vinculada a um elogio ao produto ou ao serviço vendido[5].
Nesse espaço, não se pode negar a farta concorrência dos mais variados interesses econômicos. Indústrias que atuam na área esportiva têm inferido uma ampla disputa de marcas e patentes, determinando, por exemplo, o avanço dos esportes: uma verdadeira competição nas competições. A possibilidade de vincular a imagem de atletas ou de artistas a um determinado produto, fato que pode disparar um aumento significativo nas vendas, transformou-se em um bem comerciável e de intensa disputa entre empresas ligadas ao ramo da atividade do atleta ou do artista.
1 DIREITO DE ARENA
O direito de arena, como derivado do direito à imagem[6] (ARAÚJO, 1996), tem base constitucional no artigo 5º, inciso XXVIII, "a", cuja redação é a seguinte: “São assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”. Deve ser destacado que o direito de arena é um “produto” do direito de imagem, ou seja, dele deriva. Já o direito de defesa da imagem estaria alocado em um âmbito de proteção ainda maior, denominado de “direito à intimidade da vida privada” ou de “direito à privacidade”[7].
Willian Prosser (1984, p. 107), por exemplo, dentro desse conceito maior, desdobra o direito à privacidade em quatro esferas, sendo uma delas o direito de proteção nos casos de apropriação do nome e da imagem das pessoas, especialmente quando para fins comerciais[8]. Este item nada mais faz do que desdobrar, dentro do conceito maior de direito à privacidade à direito à imagem, o direito de arena.
O direito fundamental de proteção à imagem (Grundrecht auf das Bild schützen) consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) estabelece dois tipos de proteção: proteção quanto à participação e quanto à reprodução[9]. Estes dois amparos normativos são tutelados pelo direito de arena, o qual consagra especialmente o direito na participação individual em obras coletivas (O'CALLAGHAN, 1991)[10].
O direito à imagem tutela a faculdade de escolher o momento que se quer ser visto em público e pelo público, e o modo como esta exposição dar-se-á. Já o direito de arena consagra a tutela de um momento posterior, especificamente quando o indivíduo já escolheu expor-se em público, mas quer ver protegida a exploração econômica (reprodução e transmissão) de sua imagem. Esses fatores relacionam-se ao direito que um sujeito possui de ser e permanecer autêntico. Se a obra de um ser humano é um reflexo desta autenticidade, o direito de arena consagra a proteção da reprodução e da transmissão indiscriminada e desonerada da criação e da inventividade humana[11].
Dessa forma, o direito em pauta assume contornos próprios, procurando defender a exploração da figura humana, independentemente da forma como ocorre esta exploração. A reprodução ou transmissão da atuação artística ou desportiva deve ter prévia e expressa anuência do titular, de acordo com as formalidades legais.
Somente a título ilustrativo, cumpre informar que o termo “arena” significava, outrora, o piso dos antigos anfiteatros romanos, local onde os gladiadores lutavam até a morte ou onde os cristãos, por exemplo, eram atirados à boca dos animais selvagens (MARTORELLI, 2009, p. 138). Arena deriva da palavra “areia”, tendo em vista que era comum, nos espetáculos mencionados, espalhar tal substância no chão, para que o sangue derramado fosse absorvido. Enfim, é o terreno onde se combate ou se discute, porque, na antiga Grécia, a arena também era utilizada no debate público de questões relevantes.
Atualmente, significa o espaço onde se desenvolve qualquer espetáculo. Se a obra de um ser humano se perfaz pela exteriorização (ASCENSÃO, 1997, p. 31), nada mais justo que se alocar uma digna proteção pertinente, ou seja, pela via do direito de arena. Aliás, não é outro o norte dado ao tema em foco pelo autor português, ao afirmar que o direito de arena compreende o direito “[...] de autorizar ou proibir a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos, de espetáculo desportivo público, com entrada paga.” (ASCENSÃO, 1997, p. 503).
Pode-se ter a certeza de que o instituto aqui trabalhado é por deveras inédito, não tendo precedentes no direito romano ou medieval. José de Oliveira Ascensão (1997, p. 502, passim) menciona que o direito de arena, no Brasil, possui contornos próprios, tributando uma proteção peculiar ao direito de autorização de transmissão ou de retransmissão da imagem[12]. O autor lusitano busca comparar o direito de arena a um instituto português (e previsto também em outros países da Europa) nominado de “direito ao espetáculo”.
O direito ao espetáculo, em algumas nações, é consagrado pela via consuetudinária, muito embora o próprio Ascensão (1997, p. 506) afirma que os direitos do autor ou conexos não podem ser protegidos à revelia de uma positivação legislativa. E assim, conclui o mestre português, ocorreu com o direito de arena, tão desprotegido quanto inexistente antes da sua consagração legislativa que, em Portugal, possui previsão no artigo 117, da Lei tombada sob o nº 50, do ano de 2004 – consagradora do “direito ao espetáculo”.
Em Portugal, o direito ao espetáculo[13] possui autonomia no campo do estudo do direito intelectual. Entende-se que o direito ao espetáculo confere uma proteção ao organizador do evento, que merece ser compensado quando existir a exploração econômica da transmissão ou da retransmissão. Ao mesmo tempo, consagrou-se, ao lado dos direitos conexos aos do autor, o direito dos artistas e dos intérpretes terem guarnecido pagamento pela transmissão de suas apresentações[14].
No Brasil, a positivação do direito de arena, sem dúvida, veio a reboque da importância conferida ao futebol. Ineditamente tal direito foi previsto no artigo 100, da Lei nº 5.988/73, o qual tutelava que à entidade a que o atleta estava vinculado pertencia o direito autorizar a transmissão ou retransmissão dos espetáculos desportivos[15]. Aos atletas, cabia uma percentagem de 20% (vinte por cento). Este dispositivo foi revogado pela “Lei Zico” (nº 8.672/93) que, por sua vez, foi revogada pela “Lei Pelé” (nº 9.615/98). Assim, pode-se dizer que tal direito fundamental vem especificado, em nível infraconstitucional, por exemplo, na proteção pertinente aos atletas profissionais de esporte – Lei nº 9.615/98, artigo 42[16]:
Art. 42: Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.
§1º: Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. (grifo nosso)
§2º: O disposto neste artigo não se aplica a flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins, exclusivamente jornalísticos ou educativos, cuja duração, no conjunto, não exceda três por cento do total do tempo previsto para o espetáculo.
No caso específico, a exploração econômica dos esportes evoluiu de sobremaneira, relacionando-se de inúmeras formas com os meios audiovisuais. O desportista figura como um verdadeiro “personagem central” do “espetáculo esportivo”, sendo que sua imagem rende, de forma inegável, cifras gigantescas. Então, ressalta-se o direito do dito “personagem” na participação, ou melhor, no rateio de parte dos valores adquiridos com a exploração da sua atuação, que é feita por meio da transmissão ou da retransmissão do espetáculo. E justamente é isso se denomina de “direito de arena” (BARROS, 2003, p. 260).
Na área esportiva, como se pode perceber visualizando os termos do artigo 42, da Lei nº 9.615/98, o direito de arena pertence também aos clubes desportivos, e não somente aos atletas. Aliás, pertencem muito mais aos clubes, por justamente ser garantida uma percentagem de apenas vinte por cento aos atletas nos ganhos com a transmissão ou retransmissão da sua atuação. E a titularidade, da forma como posta, sempre foi mantida nas várias legislações que tutelaram a matéria. Por isso que Carlos Alberto Bittar defende que, no Brasil, existe um direito híbrido, “[...] por reunir, em seu âmbito, direitos da entidade e dos atletas.” (1997, p. 162). Em verdade, o atleta profissional possui uma participação no direito de arena.
Além disso, fica evidente, diante do teor da disciplina legal, que, no âmbito desportivo, o direito de arena estende-se somente aos atletas profissionais, sendo repelido no que tange aos participantes amadores ou semi-profissionais. Interpretando o dispositivo legal em pauta, julga-se imprescindível que o atleta, para galgar-se ao nível profissional, tenha firmado um contrato formal de trabalho. Sendo assim, estes dois elementos devem compor o suporte fático do direito de arena para incidir na área desportiva.
Merece destaque o fato de que o direito de arena é excepcionado no §2º, do artigo 42. Quando trechos do espetáculo são transmitidos para fins informativos ou educativos, não excedendo ao montante de três por cento do tempo total do espetáculo, não há que se falar em direito de arena.
Assim, facilmente se consegue perceber que tal direito está conectado com os direitos autorais. A base dessa conexão situa-se no fato de que a atuação do atleta ou do artista possui um grau expressivo de originalidade e de criatividade, dadas suas destrezas pessoais, que não se repetem periodicamente (BARROS, 2003, p. 260). Tal ineditismo deve ser guarnecido com a devida proteção jurídica, ainda mais que, como dito, a atuação dos atletas rende valores suntuosos a quem transmite o espetáculo
Enfim, o direito de arena garante ao desportista ou ao artista que sua imagem não seja explorada sem a devida compensação econômica, no momento em que presta sua atividade. Dessa forma, pode-se pensar, como Domingos Sávio Zainaghi (2004, p. 36), que o direito de arena tenha natureza jurídica remuneratória, tal quais as gorjetas recebidas por um garçom, uma vez que ambos são pagos por terceiros (artigo 457, da Consolidação das leis do trabalho – CLT.
O direito de arena, ainda, pode estar conectado a um direito conexo ao do autor. Inúmeros profissionais auxiliam na consecução das obras de arte, o que permitem a plenitude da criação do autor. A obra do um artista, por vezes, somente é expressa na sua plenitude quando executada por outro artista. O ator, quando executa uma peça de teatro, consagra e auxilia o criador da peça, o escritor do texto, etc. Para essa categoria específica são catalogados direitos de interpretação.
Nesse contexto, evidenciam-se dois direitos: o do autor sobre a obra literária, estética, científica, etc. e aquele conexo ao do autor, que, em síntese, perfaz uma execução ou apresentação de uma obra já criada. O direito de arena, nesse contexto, por vezes infere-se como um direito conexo ao do autor[17]. Pode-se perceber, assim, que o direito sob foco é ligado com o direito autoral, justamente por ter também a natureza jurídica de defesa, ou seja, possui o fim de proteger os atletas e os artistas da exploração indiscriminada de uma obra ofertada ao público, que, inegavelmente, é estruturada de forma inédita.
Os direitos conexos aos do autor pela primeira vez foram tratados na Convenção de Bruxelas, de 1948. Contudo, a sistemática destes direitos foi mais bem detalhada na Convenção de Roma, de 1961[18]. A definição dos direitos conexos aos do autor nunca foi fácil, até pela resistência dos criadores ao reconhecimento, com o receio de que perderiam a propriedade de sua criação. No entanto, um primeiro passo para a definição destes direitos encontra-se por meio da exclusão: o que não for catalogado como direito do autor, será concebido como direito conexo a ele, respeitados os limites teóricos da matéria, por óbvio.
Os artistas e intérpretes, por exemplo, passaram a dar uma nova feição ao direito do autor, ou seja, à obra original. A reprodução de uma obra originalmente escrita possui estreita ligação, mas com ela não se confunde. Há uma criação na interpretação, um traço de autenticidade togado à obra que se interpreta. A partir de uma criação que já existe, cria-se algo totalmente inédito. Neste amparo, certamente se vivencia o direito de arena.
Walter Moraes (1977), ao comentar os artigos 100 e 101, da Lei nº 5.988/73[19], que definia os direitos do autor, criticava a previsão legislativa do direito de arena junto aos direitos autorais, porque dizia que a atividade esportiva não se confundia com uma apresentação de um artista ou com uma execução de um intérprete, por justamente se obterem produções intelectuais diversas. Tal crítica, a nosso ver, não procede[20].
É certo que a apresentação de um atleta diferencia-se de uma apresentação artística. Contudo, não existe a distância pretendida pelo autor mencionado. Antônio Chaves (1988, p. 16), com propriedade, menciona que a apresentação dos atletas tem um liame muito íntimo com a apresentação dos artistas, até porque, ambas as execuções compõe o conceito mútuo de “espetáculo”.
Eduardo Augusto Viana da Silva menciona que: “Não foge ao sentido a analogia formulada entre o jogador de futebol e o artista (...)” (2006, p. 515), muito embora mencione sua opinião no sentido de ambos os personagens visarem a fins diversos. De qualquer forma, arremata: “Apesar disso, no imaginário social, a posição de ambos não se distancia tanto.” (SILVA, 2006, p. 515).
Além disso, é visto que o direito de arena, em um conceito largo, não engloba somente o direito dos atletas, mas de todos aqueles que tenham sofrido a reprodução ou a transmissão de sua imagem, ou melhor, do espetáculo em que participam, sem a devida contrapartida. Tanto é verdade, que o dispositivo constitucional que protege o direito de arena, mencionado logo no início da exposição, não faz qualquer ressalva. Ao contrário, o artigo 5º, inciso XXVIII, alínea “a”, apenas destaca as atividades esportivas, sem excluir quaisquer outras, quando diz que é “[...] assegurada a proteção, nos termos da lei, às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas” (com o nosso destaque). Sendo assim, entende-se albergado pelo direito de arena tanto o atleta, quanto o artista. Enfim, está incluído no âmbito de proteção do direito de arena todo aquele que atua em um espetáculo.
Além disso, merece referência que a ligação do direito de arena para com os direitos conexos aos do autor pode ser percebida na dicção do artigo 7º, da Lei nº 9.610/98[21], que justamente cuida de normatizar estes dois direitos. Tal dispositivo traduz uma proteção patrimonial larga do direito à imagem, conectado aos direitos autorais.
Ao tutelar a imagem, a lei estabelece regras para a exibição e reprodução de conferências, alocuções, sermões, obras dramáticas e musicais, coreografias e pantomímicas, composições musicais, obras audiovisuais, fonográficas, de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia, arte cinética e ilustrações (art. 7º). É o chamado direito de arena, muito comum, por exemplo, em transmissões esportivas. (FARIAS e ROSENVALD, 2009, p. 187)
Portanto, fica evidente a ligação entre os direitos do autor (lato sensu) e o direito de arena.
E, nesse contexto, como uma das bases do direito de arena, pode ser invocada, especificamente, a proteção tributada pela proibição de divulgação de imagem sem a devida anuência[22]. A imagem reproduz a expressão do indivíduo e translada o seu caráter (CARBONNIER, 2000, §70). Esta tutela, sem sombra de dúvidas, serve como base ao direito de arena. A “cláusula geral” firmada no sentido de que ninguém pode explorar a imagem de terceiro sem a devida autorização é princípio firmado pelo direito comparado e base ao direito de arena (BITTAR, 2005).
No atual quadrante da História, atletas e artistas desempenham um inquestionável papel de formadores da opinião pública. Tais personagens vivem do crédito público justamente por se envolverem em negócios que afetam a coletividade, sendo “[...] natural que em torno dele[s] se avolume[m] um verdadeiro interesse público, que não existiria com relação ao pacato cidadão comum.” (BLANCO, COELHO e MENDES, 2009, p 426). Então, o direito de arena nada mais faz do que tutelar a exploração (divulgação e transmissão de imagens) desta espécie de “crédito público” que os personagens centrais de um espetáculo possuem.
O Código Civil Italiano, por exemplo, faculta a quem foi retratado impedir a divulgação da imagem captada, firmando o pleno exercício dos direitos autorais. A vedação é ampla. Atua nos mais variados níveis de exploração da imagem, especialmente pelo uso crescente dos meios de divulgação via rede mundial de computadores ou via satélite. E, nesse contexto, incluiu-se o direito de arena.
Por sinal, Reinaldo José Martorelli (2009, p. 138) informa que o primeiro caso de defesa deste direito ocorreu justamente na Itália, no início da década de sessenta do século XX, especificamente na Volta Ciclística de Roma. O grupo de pessoas que organizava este grandioso evento empenhava muito tempo e energia, sendo que, depois de aprontado o espetáculo, a televisão transmitia-o sem o pagamento de qualquer quantia. E o que é pior, ainda se valia de patrocinadores, obtendo vultoso lucro. Então, o referido grupo passou a reivindicar o direito de se ver ressarcido pelo uso da imagem do espetáculo (leia-se: transmissão).
2 ANÁLISE DE CASOS
A importância da matéria, especialmente, como dito, pela grande quantia monetária que circula por detrás das relações tuteladas pelo direito sob foco, certamente foi alvo de disputas judiciais. Não raras vezes os tribunais de todo o País foram chamados a prestar jurisdição sobre possíveis violações do direito de arena.
Em uma destas oportunidades, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou-se sobre o tema em um julgamento que viria a se tornar um “caso-líder”, até pelo fato de se ter dimensionado os contornos do direito de arena, ao menos naquela ocasião. Trata-se do Recurso Especial (Resp.) nº 113.963-SP, cuja relatoria coube ao Min. Aldir Passarinho Júnior, tendo sido julgado no dia 20 de setembro de 2005 (BRAISL, 2010a). Na oportunidade, certa empresa lançou no mercado um álbum de figurinhas nominado de “Heróis do Tri”, reproduzindo a imagem de inúmeros atletas que se consagraram vitoriosos na conquista da Copa do Mundo de 1970. Os atletas, sentindo-se lesados pela reprodução não-autorizada de sua imagem, promoveram demanda judicial cujo pedido veiculava ressarcimento pelo uso indevido da sua imagem, sendo que tal reprodução estaria na dependência de um consentimento individualizado.
O STJ decidiu que “(...) a exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem o consentimento dos atletas, constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano.” (BRASIL, 2010a). Na sequência, estabelece uma importante diferença entre o direito à imagem e o direito de arena: “O direito de arena, que a lei atribui às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da imagem havido por meio da edição de álbum de figurinhas.” (BRASIL, 2010a).
A questão encerra-se, portanto, na alegada contrariedade ao art. 100, da Lei n. 5.988, de 14.12.1973, que ao tratar do Direito de Arena, reza: "Art. 100. À entidade a que esteja vinculado o atleta, pertence o direito de autorizar, ou proibir, a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos de espetáculo desportivo público, com entrada paga. Parágrafo único. Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço da autorização serão distribuídos, em partes iguais,aos atletas participantes do espetáculo.” (BRASIL, 2010a)
E o ministro-relator arremata: “Elementarmente, não há que se confundir a produção de álbum de figurinhas ilustrado por fotos de jogadores e da campanha das Copas do Mundo com ‘espetáculo desportivo público’, coisa absolutamente distinta, este, sim, compreendido no Direito de Arena.” (BRASIL, 2010a). Este julgado confere um contorno peculiar a este direito, delimitando, na mesma esteira, os contornos da proteção do direito do autor. Destaca-se que ele toma por base um caso idêntico, julgado em 5 de dezembro de 1994, cuja relatoria coube ao Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr. (Resp. nº 46.420-SP)[23]. Conclui-se, a partir deste julgamento, que a autorização para a transmissão do direito de imagem (direito de arena), “[...] não significa permissivo para a divulgação daquela imagem por outras formas.” (FARIAS e ROSENVALD, 2009, p. 187).
Aliás, uma diferença marcante pode ser estabelecida entre o direito de imagem e o direito de arena: enquanto aquele visa a proteger a integridade moral do indivíduo, este está mais voltado a tutelar a integridade intelectual de um sujeito. Em verdade, o direito de arena pode ser catalogado como um direito intelectual[24]. O direito à imagem tutela a possibilidade de se poder exibir ou não esta. Já direito de arena nada mais é do que uma espécie de direito autoral (conexo ao do autor), porque o artista ou atleta cria uma imagem, reproduzida ou transmitida. Uma partida de futebol, por exemplo, nada mais é do que uma “obra coletiva”.
Complementando esta ideia, no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento (AgRg no Ag) tombado sob o nº 141.987-SP, julgado em 15 de dezembro de 1997, decidiu-se que o direito de arena é uma exceção ao direito de imagem. Então, como exceção que é, deve ser interpretado restritivamente. O relator, Min. Eduardo Ribeiro, definiu que os contratos de licença de uso de imagem devem merecer uma hermenêutica restritiva (BRASIL, 2010c). O caso abordava a exploração, pela Confederação Brasileira de Futebol – CBF, da imagem de um ex-jogador da Seleção. Definiu o STJ que o direito de exploração da imagem de um jogador, quando da sua apresentação, caso se possa individualizá-lo, causa o pagamento de certa quantia em dinheiro, o que não se confunde com a possibilidade de se explorar a sua imagem, anos depois, com o intuito de lucro, ainda que indireto (BRASIL, 2010c). Nesses dois casos deve existir autorização para a exploração da imagem, cada qual definida e delimitada na legislação pertinente.
Destaca-se que acórdão é muito claro: não se inclui no âmbito de proteção do direito de arena qualquer outra reprodução ou divulgação que não ligada diretamente com o espetáculo. Não há que se permitir incluído na proteção do direito de arena qualquer transmissão da imagem que seja vinculado ao espetáculo de forma estreita.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sensível às ponderações feitas no limiar da exposição, pode-se formular, de forma objetiva, as seguintes proposições:
a) os direitos de personalidade protegem, delimitam e configuram as dimensões do humano;
b) dentre os direitos de personalidade, destaca-se o direito à imagem que, nos últimos tempos, obteve um significativo prestígio, proporcional à ascensão dos meios de comunicação;
c) o direito à imagem está catalogado em um conceito maior conhecido como direito à privacidade;
d) deriva do direito à imagem o direito de arena que, sinteticamente, pode ser definido como a prerrogativa que um artista ou um desportista possui de impedir que outrem transmita ou reproduza a sua apresentação no limiar de um espetáculo, sem autorização e/ou contrapartida pecuniária;
e) o direito de arena possui uma íntima ligação para com os direitos autorais, até por vir também tutelado no artigo 7º, da Lei nº 9.610/98, que cuida justamente de disciplinar normativamente estes últimos;
f) encontram-se institutos similares ao direito de arena em vários países, como Portugal (direito ao espetáculo) e Itália;
g) de acordo com a análise de alguns julgamentos importantes na matéria, percebeu-se a importância da tutela da reprodução e divulgação da imagem de atletas ou de artistas no cenário nacional; contudo, esta divulgação (direito de arena) não se confunde propriamente com o direito de imagem, sendo aquele uma derivação deste;
h) isso porque, o direito de arena é uma exceção ao direito de imagem e, sendo assim, deve ser interpretado restritivamente; não se inclui no seu espectro de proteção nenhuma reprodução ou divulgação que não esteja diretamente ligada com a apresentação a ser transmitida;
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WACHOWICZ, Marcos. Propriedade intelectual do software &revolução tecnológica da informação. Curitiba: Juruá, 2004.
ZAINAGHI, Domingos Sávio. Nova legislação desportiva – aspectos trabalhistas. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004.
[1] Mestre em Direito/UNISC, Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS, da UNISC e do Instituto de Desenvolvimento Cultural (IDC). Professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), da Escola Superior da Magistratura Federal (ESMAFE), da Escola Superior de Advocacia Pública do RS (ESAPERGS), da Fundação Escola da Defensoria Pública do RS (FESDEP), do Curso Verbo Jurídico. Atua como Procurador do Estado do RS.
[2] Segundo o constitucionalista uruguaio Aníbal Luis Barbagelata (2000, p. 22), os direitos de personalidade são uma categoria jurídica por deveras discutida na dogmática jurídica. Dado o matiz flutuante de seu objeto, vários autores conceberam os direitos de personalidade de variados modos. Para uma primeira teoria, os direitos de personalidade tutelariam a pessoa humana e suas faculdades singulares. Contudo, esta teoria é criticada, porque a pessoa humana é o fundamento de todo o direito, não podendo se apresentar como o objeto de todo o direito (BARBAGELATA, 2000, p. 22-23). Outra corrente, mais radical, ao que parece, entende que os direitos de personalidade estariam despidos de objeto, por justamente não se enquadrarem no conceito de direito subjetivo (BARBAGELATA, 2000, p. 23). Em verdade, os direitos da personalidade tutelariam os interesses das pessoas. Contudo, o autor uruguaio estabelece uma importante subdivisão, sendo que os direitos de personalidade poderiam ser estabelecidos em dois subgrupos: (a) os direitos da pessoa, que possuem como bem jurídico, por exemplo, a proteção à integridade física. São os direitos que se caracterizam por tutelar o aspecto moral e íntimo dos indivíduos; e (b) os direitos reais sobre bens incorporados, encontrando-se em seu âmbito de proteção, nada menos, do que o direito do autor. Este último grupo compreende como características a expressão, a exteriorização de idéias, etc. (BARBAGELATA, 2000, p. 23-24).
A formatação dos direitos de personalidade desenvolveu-se a partir do término da II Guerra Mundial (como marco histórico do término deste macabro conflito, ficou estabelecido a data da assinatura do tratado que reconhecia a rendição do Japão, em 2 de setembro de 1945). Pode-se dizer que os direitos de personalidade estabelecem direitos subjetivos que permitem o indivíduo defender as suas integridades (morais, físicas, patrimoniais...), ou seja, faculta defender o que lhe é próprio (SZANIAWSKI, 1993, p. 185-186). São direitos subjetivos atinentes à própria condição da pessoa.
[3] Antônio Chaves de Farias e Nelson Rosenvald vão mais além: “Às pessoas famosas associa o imaginário popular qualidades e características que compõe sua imagem-atributo, realçando sua credibilidade. Ora, se a celebridade utiliza-se de sua imagem (que é protegida constitucionalmente) para transmitir confiança e segurança em determinado produto ou serviço, através do marketing, induzindo o consumidor, é natural que responda por eventuais danos ocasionados pelo produto quando endossar, ratificar, as suas vantagens.” (2009, p. 193).
[4] Que financiou diretamente o espetáculo, pagando, por exemplo, um ingresso, a fim de acompanhar, ao vivo e de forma presente, a atuação.
[5] Inegavelmente, os desportistas e os artistas, por exemplo, “[...] podem inspirar a tomada de decisões vitais” por parte dos demais indivíduos (BLANCO, COELHO e MENDES, 2009, p. 426). Importante a manifestação de Scartezzini Guimarães (2001, p. 155), quando menciona que o famoso pode ser tido, frente ao consumidor, como um verdadeiro “garante”.
[6] O direito à imagem pode ser conceituado como o direito que um sujeito possui sobre sua forma material ou imaterial, ou seja, sobre sua forma plástica (física), que lhe garante uma individualidade, uma unicidade, um valor autêntico. São os olhos, a boca, o rosto que diferenciam as pessoas na coletividade. A relação que vincula a pessoa com a sua exterioridade é protegida pelo direito à imagem. Dentro do conceito de imagem, ainda pode ser estabelecida a proteção voz, uma vez que esta se destaca pela sua autenticidade (conferir os artigos 93 a 96, da Lei nº 9.610/98). Contudo, a imagem pode ser disponibilizada pelo sujeito, como ocorre nos contratos de cessão do uso da imagem. A Lei 6.533/78, especificamente no artigo 14, disciplina o contrato de cessão de uso da imagem em mensagens publicitárias: “Art. 14. Nas mensagens publicitárias, feitas para cinema, televisão ou para serem divulgadas por outros veículos, constará do contrato de trabalho, obrigatoriamente: I – o nome do produtor, do anunciante e, se houver, da agência de publicidade para quem a mensagem é produzida; II – o tempo de exploração comercial da mensagem; III – o produto a ser promovido; IV – os veículos através dos quais a mensagem será exibida; V – as praças onde a mensagem será vinculada; VI – o tempo de duração da mensagem e suas características”.
“O direito à imagem consubstancia o vínculo que une uma pessoa à sua expressão externa, ou seja, ao conjunto de traços e caracteres que a distinguem e a individualizam. Consiste no direito que tem a pessoa de impedir que outrem a utilize, sem autorização, de sorte que a fixação e a posterior utilização econômica dependem de sua anuência” (BITTAR, 1999, p. 212). Outra coerente definição do direito à imagem pode ser encontrada na seguinte passagem: “(...) a representação física de cada um, a sua aparência in natura, que pode ser expressa de forma plástica através de pintura, fotografia, escultura, televisão, cinema e, nos últimos tempos, internet, no sentido de que cada indivíduo tem controle do seu signo físico" (MARTINS, 2002, p. 346).
[7] A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 12, dispõe que: “[...] ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”. Em nível constitucional, o direito à privacidade está catalogado no artigo 5º, inciso X, CF/88: “[...] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
“Embora a jurisprudência e vários autores não distingam, ordinariamente, entre ambas as postulações – de privacidade e de intimidade –, há os que dizem que o direito à intimidade faria parte do direito à privacidade, que seria mais amplo. O direito à privacidade teria por objeto os comportamentos e acontecimentos anteriores aos relacionamentos pessoais em geral, às relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público. O objeto do direito à intimidade seriam as convenções e os episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações familiares e amizades mais próximas.” (BLANCO, COELHO e MENDES, 2009, p. 420).
[8] Os outros três desdobramentos, além daquele mencionado, seriam: a) impossibilidade de expor ao público fatos catalogados na esfera íntima (privada); b) direito de não ser intrometido na solidão, enfim, ter direito à solidão; c) distorção da imagem da pessoa ao público, a fim de que este tenha uma falsa percepção do indivíduo; (POSSER, 1984, p. 107). Há ainda aqueles que desdobram o direito à imagem em mais um matiz: proteção à imagem científica, especialmente quando ligada às questões da biogenética – DNA (DINIZ, 2001, p. 440).
[9] “A imagem é uma situação personalíssima que envolve terceiros, eis que a aparência física é projetada perante os outros, sofrendo repercussão. Tal objeto é protegido juridicamente sobre dois aspectos: um negativo, qual seja, o de não permitir a reprodução e a divulgação de dados que compõem o seu traço físico, o de não ver a sua imagem comercializada em proveito de interesses alheios; e um positivo, relativo à permissão para tal veiculação" (MARTINS, 2002, p. 346).
[10] É justamente neste ponto que o direito de arena se aproxima do direito de personalidade, tendo em vista que ambos conferem uma tutela à projeção da pessoa no meio social, uma tutela ao prolongamento do ser humano no exterior de si mesmo – conferir, para tanto, Carlos Alberto Bittar (Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 6 e seguintes).
[11] Em verdade, o direito à imagem tem sua raiz histórica no right of privacy, o qual protegia a exposição indesejada em público.
[12] No particular, Luiz Alberto David Araújo afirma que a autorização “[...] torna a utilização [da imagem] devida, correta, revestindo-a de legalidade” (1996, p. 88).
[13] Que pode ser comparado àquilo que no Brasil denominou-se de “direito de arena”.
[14] Esta premissa pode ser percebida no Acórdão de Tribunal da Relação de Lisboa nº 10072/2006-7, de 22 de maio 2007 (PORTUGAL, 2010).
[15] A Lei nº 5.988/73, chamada de “Lei dos Direitos Autorais”, incluiu o direito de arena dentro destes direitos. Atualmente, uma separação muito clara operou-se: os direitos do autor estão previstos na Lei nº 9.610/98, e o direito de arena, na Lei nº 9.615/98. Mas o artigo 7º, da Lei nº 9.610/98, que estabelece inúmeras regras para a reprodução e para a exibição de imagens, gravuras, conferências, sermões, arte cinética, etc., configura claro caso de chancela do direito de arena (FARIAS e ROSENVALD, 2009, p. 187).
[16] Conforme será percebido na sequência da exposição, o direito de arena também abriga a reprodução de outras espécies de espetáculo, tudo na forma da disciplina normativa estabelecida pelo artigo 7º, da Lei nº 9.610/98.
[17] Se realmente for dada esta natureza jurídica à parcela remuneratória recebida pelo atleta desportivo por conta do direito de arena, tais valores não integrarão a base de cálculo das férias, do repouso semanal, do décimo terceiro salário, etc. – Enunciado nº 354, TST, DJ 24.03.1988.
[18] Ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 47.125/65. Aqui, importante destacar a importância dos documentos normativos internacionais na matéria do direito do autor (ASCENSÃO, 1997, p. 14). Além dos documentos citados, pode-se mencionar a Convenção de Berna, de 1886, a Convenção de Roma, de 1961, a Diretiva 2001/29/CE, da União Européia. Conferir, para tanto, WACHOWICZ, Marcos. Propriedade intelectual do software &revolução tecnológica da informação. Curitiba: Juruá, 2004.
[19] Art. 100 À entidade a que esteja vinculado o atleta, pertence o direito de autorizar, ou proibir a fixação, transmissão, retransmissão, por quaisquer meios ou processos, de espetáculo desportivo público, com entrada paga.
Parágrafo único: Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço da autorização serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo.
Art. 101 O disposto no artigo anterior não se aplica à fixação de partes do espetáculo, cuja duração, no conjunto, não exceda a três minutos para fins exclusivamente informativos, na imprensa, cinema ou televisão. [Somente a título de apontamento, tal dispositivo não possui precedentes no mundo, sendo, pois, pioneiro].
[20] A crítica em questão é exposta também por Felipe Degrazie Ezabella (2006, p. 108), o qual aprofunda o posicionamento dos autores à época.
[21] Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;
II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
III - as obras dramáticas e dramático-musicais;
IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;
V - as composições musicais, tenham ou não letra;
VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;
VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;
VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;
IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;
X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;
XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;
XII - os programas de computador;
XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
§ 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.
§ 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras.
§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.
[22] RT 519/83 e 531/230.
[23] “DIREITO À IMAGEM. Direito de arena. Jogador de futebol. Álbum de figurinhas. O direito de arena que a lei atribui as entidades esportivas limita-se a fixação, transmissão e retransmissão do espetáculo desportivo público, mas não compreende o uso da imagem dos jogadores fora da situação específica do espetáculo, como na reprodução de fotografias para compor 'álbum de figurinhas'. Lei 5989/73, artigo 100; Lei 8672/93. (4ª Turma, unânime, DJU de 05.12.1994).” (BRASIL, 2010b). Ainda, pode ser destacado na matéria o Resp. nº 67.292-RJ.
[24] O conceito de direito intelectual teve sua gênese na Bélgica, por meio dos ensinamentos de Edmond Picard (1836-1924). Em 1877, Edmond formula sua teoria acerca dos direitos intelectuais, obtendo grande aceitação em seu País, ao ponto de, em 1886, criar-se uma lei específica sobre o tema (BITTAR, 2005, p. 2). Conforme Carlos Alberto Bittar (2005), os direitos intelectuais, inseridos nos direitos de personalidade, tutelam a transmissão de conhecimento, a alma humana, etc. São verdadeiros direitos de estar consigo-mesmo. Especificamente quanto à propriedade intelectual, os direitos intelectuais nascem com a confecção da obra. Regulam uma relação entre a pessoa e sua criação, enfim, um bem metafísico, imaterial. Como exemplos, têm-se os direitos do autor, as patentes, os direitos conexos aos do autor, o direito marcário, etc. Conferir a definição trazida no artigo 2º, VIII, da Convenção de Estocolmo (1967), ratificada nacionalmente pelo Decreto nº 75.541/75.
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